Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira
"Dilma deve suspender a visita aos EUA"
NOVO TOM
Para Moniz Bandeira, o governo brasileiro deve dar aos EUA uma resposta dura
Um dos maiores
historiadores da atualidade, profundo conhecedor das relações entre Brasil e
Estados Unidos, o professor Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, 76 anos,
alerta que há mais de uma década o Brasil é alvo da espionagem da NSA (Agência
Nacional de Segurança Americana). Ele mesmo já havia relatado outros casos em
seu livro “Formação do Império Americano”, publicado em 2005 e que acaba de ser
lançado na China. Em entrevista à ISTOÉ, Moniz Bandeira, que vive na Alemanha,
chama a atenção para a necessidade de se investir na proteção do conhecimento
estratégico do País. “As descobertas do pré-sal inseriram o Brasil no mapa
geopolítico do petróleo. Aos Estados Unidos interessam saber tudo sobre as
reservas e sua exploração, inclusive para fornecer às empresas americanas e
favorecê-las na licitação das áreas”, afirma. Para Moniz Bandeira, o governo
brasileiro deve dar aos Estados Unidos uma resposta dura, suspendendo a visita
da presidenta Dilma Rousseff a Washington, em outubro. “O presidente Barack
Obama nada tem a oferecer ao Brasil. Seus interesses, certamente, concentram-se
na venda dos caças F-18 da Boeing e nas concessões do pré-sal às companhias
americanas”, diz.
"Obama podia renovar a política internacional e aliviar
as tensões. Porém, ele revelou-se mais fraco e
mais sem caráter do que se poderia imaginar”
“A espionagem envolve todas as áreas, sobretudo
a do petróleo. Aos EUA interessa saber todas
as informações possíveis sobre as reservas"
P: A NSA diz que não espiona para fins econômicos, mas o caso da Petrobras
parece desmentir essa versão. Qual é a amplitude da ação da espionagem
americana?
LUIZ ALBERTO DE
VIANNA MONIZ BANDEIRA -
Esse sistema
de espionagem, altamente informatizado para o processamento de Communication
Intelligence (Comint), teve como objetivo inicial captar mensagens e
comunicações diplomáticas entre os governos estrangeiros e suas embaixadas. Com
o desenvolvimento da tecnologia, ampliou-se a sua utilização. Eles passaram a
utilizá-la para interceptar comunicações internacionais via satélite, tais como
telefonemas, faxes, mensagens através da internet, por meio de equipamentos
instalados em Elmendorf (Alaska), Yakima (Estado de Washington), Sugar Grove
(Virgínia Ocidental), Porto Rico e Guam (Oceano Pacífico), bem como nas
embaixadas e bases aéreas militares.
P: Por que a NSA ganhou tanta importância entre as
agências de informação americanas?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ BANDEIRA -
Ganhou grande
importância devido à sua capacidade tecnológica de penetração nos sistemas de
comunicação de todos os países do mundo, podendo captar as mais valiosas
informações não apenas políticas, mas também econômicas e comerciais. Desde o
fim dos anos 60, a
coleta de informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico
tornou-se crescentemente um dos mais importantes objetivos da Comint, operada
pela National Security Agency (NSA).
P: Nos documentos vazados
da NSA, há menção à distribuição das informações a Reino Unido, Nova Zelândia,
Austrália e Canadá, países integrantes do Echelon. Podemos concluir que tais
documentos são produzidos com informações coletadas por um sistema Echelon
atualizado?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ BANDEIRA - Claro. As
informações, captadas pelo Echelon, que tem a National Security Agency (NSA),
dos Estados Unidos, e o Government Communications Headquarters (GCHQ), da
Grã-Bretanha, são sempre atualizadas e orientam as mais diversas iniciativas,
não apenas políticas e estratégicas, mas também econômicas e comerciais. Os
serviços de inteligência dos Estados Unidos tentaram várias vezes negar que
colaboraram com as corporações industriais, e canalizaram suas informações
através de seus aliados estrangeiros ou de agências.
P:Temos informação de
que na Ilha de Ascensão, a 2 mil km de Fernando de Noronha, há uma base de
monitoramento do Echelon e que a partir daí se daria a coleta de dados
transmitidos aos satélites e por cabos.
É uma das
ilhas mais bem situadas estrategicamente e lá está assentada uma base da Força
Aérea do Reino Unido, que serve também para as operações militares dos Estados
Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial, quando foi de fundamental importância
na batalha do Atlântico contra os navios alemães. É óbvio que essa base abriga
as estações de Singint, operadas, em Two Boats , pelo GCHQ, interceptando sinais
transmitidos através de satélites ou radiodifusão, e as estações da emissora de
números (rádio) E5/V5 – Cynthia e/ou The Counting Station, operada pela CIA na
comunicação com os seus agentes na América do Sul e África.
A
parceria com Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália e Canadá é histórica,
não?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA -
Durante a
Segunda Guerra Mundial, no encontro com o presidente Franklin Roosevelt, o
primeiro-ministro Winston Churchill virtualmente subordinou a Grã-Bretanha, que
estava financeiramente exausta, aos objetivos estratégicos dos Estados Unidos,
o que de certo modo envolveu Nova Zelândia, Austrália e Canadá, países que
pertencem à Commonwealth e que têm a rainha Elisabeth II como chefe de Estado.
Há uma comunidade de interesses.
Nos
últimos dias, surgiu a denúncia de que a NSA espiona a Petrobras, empresa que
hoje tem acionistas americanos. Será que essa espionagem se justifica?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA -
A espionagem,
naturalmente, envolve todas as áreas, sobretudo a do petróleo. Aos Estados
Unidos interessa saber todas as informações possíveis sobre as reservas e,
igualmente, sobre sua exploração, inclusive para fornecer às suas empresas e
favorecê-las na licitação das áreas.
O Sr. considera que a
tecnologia de exploração do pré-sal é o principal alvo dos EUA?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA –
Nunca tive a menor dúvida. Aliás, a Petrobras
sempre foi alvo de espionagem, e não somente agora por causa da exploração do
pré-sal. Ao suicidar-se, em 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas,
na sua carta de despedida, denunciou: “Quis criar liberdade nacional na
potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a
funcionar, a onda de agitação se avoluma”. Graças às Forças Armadas, a
Petrobras não foi privatizada e o Estado brasileiro ainda mantém o monopólio do
petróleo.
Além da Petrobras, que
outros alvos seriam estratégicos para os EUA aqui?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA -
O Brasil é um
alvo estratégico, porque não mais obedece às diretrizes emanadas do Pentágono e
do Departamento de Estado. O jornalista Glenn Greenwald, que divulgou os
documentos da NSA, declarou em entrevista à imprensa, a respeito do Brasil, que
o governo dos EUA sempre olha como ameaça países que nem sempre lhe obedecem.
Quanto mais desobedecer, mais será visto como ameaça. Em 2010 e 2011, o Brasil,
na condição de membro temporário do Conselho de Segurança da ONU, não se
alinhou aos EUA em seu objetivo de impor sanções e isolar internacionalmente
Irã, Líbia e Síria. A percepção em Washington é de que a crescente preeminência
global do Brasil e seu envolvimento em diversas questões internacionais levarão
inevitavelmente a disputas com os EUA.
ALÉM DAS DENÚNCIAS DE ESPIONAGEM DOS EUA, A PRÓPRIA CASA BRANCA
RECLAMOU DOS CHINESES, E TEMOS O EPISÓDIO DO VÍRUS STUXNET IMPLANTADO POR
ISRAEL NO IRÃ. ESTAMOS VIVENDO UMA CYBERGUERRA E O BRASIL FOI TRAGADO PARA
DENTRO DELA?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ BANDEIRA -
O Brasil está inserido em um sistema econômico global e, qualquer
que seja o tipo de guerra, naturalmente que o atinge. De um modo ou de outro, o
que o Brasil deve fazer é armar-se, não só no campo da cyberguerra. Nenhum
Estado respeita a lei internacional senão entre os que têm poder de retaliação.
Essa lição deve pautar a estratégia de segurança e defesa do Brasil, sobretudo
a IV Frota, que navega no Atlântico Sul, à margem das jazidas de petróleo nas
camadas pré-sal. Essas descobertas, ao longo da costa, inseriram o Brasil no
mapa geopolítico do petróleo. Iraque e Líbia somente foram atacados porque
renunciaram à busca do poder nuclear.
Como Dilma deve reagir?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA -
A presidenta Dilma
Rousseff, como chefe de governo e de Estado, é que tem condições de avaliar. Em
todo caso, como resposta dura, soberana, creio que o melhor seria suspender
essa viagem aos EUA. O presidente Obama nada tem a oferecer ao Brasil. Seus
interesses, certamente, concentram-se na venda dos caças F-18 da Boeing e nas
concessões do petróleo do pré-sal às companhias americanas.
Recorrer
à ONU é um caminho?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA -
Os Estados Unidos cada vez mais desprezam a ONU,
porque estão perdendo sua hegemonia. O presidente Obama disse claramente pela
televisão que o Conselho de Segurança para nada serve. Da mesma forma que o
presidente George W. Bush não respeitou o Conselho de Segurança e as leis
internacionais, quando ordenou a invasão do Iraque em 2003, o presidente Obama mostrou-se
disposto a também se tornar um fora da lei, atacando a Síria, sob pressão do
príncipe Bandar bin Sultan, chefe do Serviço Secreto da Arábia Saudita.
Obama
chegou à Casa Branca com um discurso crítico à guerra de Bush e às ações de
espionagem. É uma decepção o seu atual comportamento?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ
BANDEIRA -
Em setembro de
2009, primeiro ano do seu mandato como presidente dos Estados Unidos, adverti
que a intenção do presidente Obama podia ser a de renovar a política
internacional do país e aliviar as tensões geradas pelas iniciativas bélicas,
unilaterais, do seu antecessor, o presidente George W. Bush. Porém, ele
revelou-se mais fraco e mais sem caráter do que se podia imaginar.
O
QUE ESTÁ EM JOGO NA
SÍRIA QUE POSSA JUSTIFICAR UMA AÇÃO MILITAR QUE NÃO TEM APOIO
POPULAR DOS PRÓPRIOS AMERICANOS?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ BANDEIRA -
Os fatores das
rebeliões nas repúblicas que antes integravam a extinta União Soviética e nos
países da África do Norte e do Oriente Médio são múltiplos, complexos e
profundos, envolvem questões econômicas, sociais, políticas, étnicas e
religiosas, bem como interesses geopolíticos e estratégicos de Israel e das
grandes potências. Particularmente nas jazidas de óleo e gás na bacia do
Mediterrâneo, à margem do Levante.
O
SENHOR TEM SIDO CRÍTICO AOS ESFORÇOS DE RECONSTITUIÇÃO DA MORTE DO
EX-PRESIDENTE JOÃO GOULART, CUJOS RESTOS MORTAIS FORAM EXUMADOS E ESTÃO SENDO
ANALISADOS. ACREDITA QUE POSSA HAVER ALGUM FATO NOVO QUE MUDE A HISTÓRIA SOBRE
SUA MORTE?
LUIZ ALBERTO DE VIANNA MONIZ BANDEIRA -
Sou crítico à
afirmativa de que ele foi assassinado, com base em meras suposições e em
depoimento forjado de um bandido, sem provas concretas, ao contrário das
evidências de que ele morreu vítima de um infarto. Que se faça agora a exumação
é ótimo. Esperemos o resultado. A autópsia na época não foi feita porque a família
não pediu e a viúva disse que não era necessária.
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