quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um pouco mais de informação sobre o caminho da corrupção!!!

500 anos de corrupção
O ataque aos cofres públicos não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas nos acompanha desde o dia do nosso descobrimento.
Texto de Mouzar Benedito e ilustração de Cauzi da revista Caminhos da Terra



          Foi para isso que fizemos a revolução?" Essa frase foi pronunciada em tom de desencanto por muitos militares quando começaram a pipocar casos de corrupção envolvendo gente da cúpula do governo nos anos 70 e 80. Os decepcionados eram aqueles que acreditaram que em 1964 houvera mesmo uma revolução e que ela viera não apenas para espantar o "fantasma do comunismo", mas também para acabar com a corrupção. Sentimento semelhante vem agora de gente que entrou na política justamente combatendo tanto a ditadura quanto a corrupção, militantes que se dedicaram por mais de 20 anos ao PT até conseguir colocar um ex-operário na Presidência da República.
          De novo o velho desencanto, o triste espetáculo de ocupantes de altos cargos políticos saindo de suas funções bem mais ricos do que entraram. Um fenômeno tão corriqueiro que pareceu inusitada a volta de Olívio Dutra ao emprego de bancário quando terminou seu mandato de prefeito de Porto Alegre, em 1987. Caso surpreendente num país em que boa parte dos eleitores aceita político que "rouba mas faz", em que historicamente o ataque aos cofres públicos faz parte do cotidiano, onde a sonegação de impostos por empresas é quase obrigação, e onde até a Igreja chegou a contrabandear usando santos ocos cheios de ouro e pedras preciosas.
           Uma das conclusões falsas que até parte da mídia abraça é que a corrupção é um fenômeno tipicamente brasileiro. Não é. Ela existe desde muito antes do descobrimento do Brasil e sempre esteve presente em muitas nações e em vários momentos da História. Prova de que ela não é patrimônio exclusivo nosso é uma lista divulgada pela ONG Transparência Internacional, em outubro de 2004, que traz uma espécie de ranking da roubalheira em 146 nações pesquisadas.
          A lista começa pelos países menos corruptos e caminha progressivamente para os mais desonestos, e o Brasil aparece em 59º lugar. Os primeiros são nações com alto grau de desenvolvimento humano e distribuição de renda mais equilibrada. A Finlândia encabeça a lista, como o país menos corrupto do mundo. Nos últimos lugares estão países subdesenvolvidos e com péssima distribuição de renda, como Haiti e Bangladesh.
 
Na carta ao rei, Pero Vaz de Caminha aproveita para pedir a volta a Portugal de seu genro, degredado na África por ter roubado uma igreja e espancado o padre.
          Fica claro que o subdesenvolvimento é um dos fatores importantes para o aumento da corrupção. Países subdesenvolvidos, além do tradicional abuso de poder e outros quesitos, têm fatores institucionais que favorecem a prática, como o excesso de regulamentações. A profusão de leis dá oportunidade para o surgimento de pessoas espertas que se tornam especialistas em decifrá-las e intermediar processos e ações. São pessoas que conhecem o caminho das pedras, sabem quem decide e como manipular as decisões. Esse emaranhado de leis, muito apreciado por certos políticos, traz embutido o velho método de criar dificuldades para vender facilidades.
          Uma corrente de historiadores acredita que a corrupção no Brasil está associada ao emprego de degredados na nossa colonização inicial. No século 16, pessoas que cometeram crimes em Portugal eram condenadas a cumprir suas penas aqui, forma utilizada para povoar com portugueses o Brasil e outras colônias lusitanas. De fato, só com Tomé de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, vieram 400 degredados. 
          A maioria dos pesquisadores, porém, discorda da afamada periculosidade dos degredados, já que, dado o interesse em mandar muita gente para cá, qualquer pequeno delito era motivo para o degredo. Cerca de 200 crimes eram punidos com o degredo, inclusive o adultério e a cafetinagem. No livro Vadios e Ciganos, Heréticos e Bruxas: os Degredados do Brasil-Colônia, o historiador Geraldo Pieroni afirma que o nascimento do nosso país deveu-se a esses degredados por delitos de ordem religiosa ou moral sem nenhum problema de conduta.
Segundo historiadores, o império que nos descobriu já carregava o germe da corrupção. Na época, Portugal era famoso pela burocracia e pelo desvio de verba.
          Eduardo Bueno, jornalista e pesquisador da nossa história, insiste em ressalvar que é preciso tomar cuidado com generalizações. Ele diz que o problema "não está no degredado e sim nos que tinham o poder de enviar degredados para o Brasil". Segundo ele, a corrupção brasileira começou mesmo antes do descobrimento, nos impérios português e espanhol.
          Chamados de "impérios papeleiros" por causa da burocracia que criava um amontoado de leis e gerava uma gigantesca estrutura paralela, à margem do poder central, Portugal e Espanha concentravam um núcleo de corrupção muito grande, que incluía desvio de verbas, negociatas e dribles na Justiça. Para Bueno, é nesse tipo de "império papeleiro" que está o germe do sistema corrupto que persiste até hoje nestas terras.
          É comum dizer que no Brasil cadeia é só para os "três pês" (pobres, pretos e prostitutas), referindo-se à impunidade dos ricos. Isso é também uma herança dessa tradição ibérica em que os cavaleiros - ou seja, os ricos que tinham cavalos, contrapondo-se aos peões, que andavam a pé - ficavam por lei isentos das chamadas "penas vis". Não podiam ser espancados, amarrados em pelourinhos ou condenados à morte. Isso sem contar a venalidade da Justiça e o tráfico de influências, que já aparece nas primeiras linhas a registrar o Brasil.
          A carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei Dom Manuel em 1500 para dar a boa nova da descoberta, ou "achamento", da Terra de Vera Cruz, trazia em seu final um exemplo dessa tradição. Nela, o escriba aproveita a ocasião para pedir a volta a Portugal de seu genro degredado em São Tomé, na África, por ter roubado uma igreja e espancado o padre.
Em uma pesquisa feita em 146 países, o Brasil aparece como o 59º mais corrupto. No topo da lista está a Finlândia. Haiti e Bangladesh são os campeões da roubalheira.
          E já na fundação da nossa primeira capital há um exemplo claro de roubalheira, com superfaturameno na construção de Salvador, por empreiteiras, entre 1549 e 1556. Prática que se alastrou inclusive durante o período de ocupação holandesa, tido erroneamente por muitos como um governo "limpo". Apesar de o príncipe Maurício de Nassau ser um homem culto e ter trazido cientistas e artistas para Pernambuco, com ele vieram também, como colonizadores, pessoas que, no que tange à malandragem, não ficavam atrás dos portugueses. Aliás, teve origem na Holanda a história de que não existe pecado ao sul do Equador. Aqui valia tudo.
          Como boa tradição ibérica, a corrupção não poderia deixar de continuar com a chegada da família real portuguesa, inculta e grossa, em 1808. Dom João VI é tratado pelos historiadores como sujo e balofo, grosseiro no trato com as pessoas. No tempo em que esteve no Brasil, de 1808 a 1821, a corrupção se alastrou consideravelmente.
          Dom Pedro I, embora mais estadista que seu pai, tinha na conta de seus amigos pessoas muito pouco recomendáveis, que assumiram posições importantes no Império. Uma delas foi o famoso Chalaça, apelido do português Francisco Gomes da Silva, considerado o homem mais poderoso do período. Companheiro de farras de Dom Pedro, ele nomeava e demitia quem queria.
          Ao contrário de seu antecessor, Dom Pedro II foi um homem culto, mecenas, poliglota, apreciador das artes e da ciência... mas sem nenhuma aptidão para governar. Ficava enfastiado com as coisas do Estado. Assim, fazia vistas grossas para os desmandos e a corrupção, inclusive eleitoral. Por isso era chamado de "Pedro Banana". Seu reinado era repleto de festas, que aconteciam como se o país estivesse às mil maravilhas. Depois de 1884, seu governo foi ficando insustentável, em grande parte por causa da chamada "Questão Militar", que teve como estopim a descoberta de irregularidades num destacamento do Exército no Piauí. 
           Segundo Nelson Werneck Sodré em seu livro A História Militar do Brasil, diversos fornecedores do Exército enriqueceram bastante durante o Império, passando recibo de mercadorias que nunca entregaram ou entregaram em quantidade ou qualidade diferente do especificado. O historiador conclui: "Chega-se a ter a impressão de que, de cada dez indivíduos, nove eram desonestos ou dissidiosos na defesa da moralidade administrativa das Forças Armadas. Os que discordavam eram poucos e considerados criadores de caso". O imperador permanecia alheio a tudo isso.
          A República não mudou muito essa história. Tanto a desonestidade continuou que as mudanças radicais de governos sempre tiveram entre as causas motivadoras - pelo menos nos discursos - o combate à corrupção. Isso ocorreu, por exemplo, em 1930 e 1964. Sem contar que desde o governo Jânio Quadros, que foi eleito tendo como símbolo uma vassoura, que seria usada para "varrer" os corruptos do governo anterior, quase todos que ocuparam o poder pela via eleitoral falavam em combate à corrupção do seu antecessor. Fernando Collor de Mello combateria a corrupção de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso combateria corrupções anteriores e Lula viria a acabar com a corrupção do período FHC.
          Nem tudo, porém, foi inútil. Um caso exemplar foi o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Poucos meses antes, em maio daquele ano, o empresário Emílio Odebrecht tentava justificar a corrupção como um hábito alastrado em toda a população em uma entrevista ao Jornal do Brasil: "Eu acho que a sociedade brasileira toda é corrompida e corrompe.
          Hoje, para o sujeito resolver alguma coisa, até para sair de uma fila do INPS, encontra seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de valor, é a relação estabelecida". 
          O afastamento de Collor trouxe ânimo novo no combate à roubalheira no Brasil, mas os cinco séculos de assalto aos cofres públicos provam que não será fácil vencê-la. Como dizia o ex-ministro Paulo Brossard no tempo do fim da ditadura: "A d
emocracia no Brasil é relativa, mas a corrupção é absoluta".

Histórias de Corrupção
O GOVERNADOR E SEU ENGENHO
          Em 1597, o governador-geral do Brasil era dom Francisco de Sousa, apelidado Francisco das Manhas. E pelo jeito era mesmo manhoso: ele foi acusado de desviar dinheiro público para o seu engenho. Mas foi mantido no cargo.


OS PORTUGUESES DE NASSAU 
          Ordenança de Maurício de Nassau a seus sucessores, durante a ocupação holandesa: "Convém que Vossas Senhorias procurem angariar e manter, por meio de favores e de dinheiro, alguns portugueses particularmente dispostos e dedicados para com Vossas Senhorias, dos quais possam vir a saber em segredo os preparativos  do inimigo (...). Esses portugueses devem ser os mais importantes e honrados da terra, e lhes será recomendado que, exteriormente, se mostrem como se fossem dos mais desafetos aos holandeses".

TRAIDOR PREMIADO
          Os cofres públicos já foram também usados para premiar delatores. Um exemplo é Joaquim Silvério do Reis, que denunciou a Inconfidência Mineira em 1792. Ele era conhecido como mau pagador em Ouro Preto, estava cheio de dívidas, e depois da delação ficou tão malvisto que temia ser assassinado. O governo resolveu o problema dele mandando-o para uma fazenda no Piauí que recebera de graça, presente governamental.

LIMPANDO OS COFRES
          O Banco do Brasil foi fundado e refundado várias vezes. A primeira delas foi em 1808, por Dom João VI, depois de sua chegada ao Rio de Janeiro, fugindo das tropas de Napoleão que invadiram Portugal. Ao voltar para Portugal, em 1821, Dom João VI pegou todo o dinheiro depositado no banco. Levou tudo!

O MINISTRO QUE NÃO ROUBAVA

          Em 1831, depois que Dom Pedro I abdicou em favor de seu filho, o imperador seguiu para a Europa no navio Warspite. Com ele, o fiel marquês de Paranaguá, antigo ministro da Guerra. Paranaguá estava apreensivo, pois teria que viver com uma pequena aposentadoria em Portugal, não fizera fortuna no governo. A bordo, ele recorreu a Dom Pedro em busca de uma solução para seu problema e ouviu o seguinte do ex-imperador: "Faça o que quiser, não é da minha conta. Por que não roubou, como Barbacena?". Este, no caso, era o ex-ministro da Fazenda, o visconde de Barbacena.

ALISTAMENTO LUCRATIVO
          Em 1874, a Lei 2556 alterava os critérios de recrutamento de soldados para o Exército e a Armada: os recrutados, 
de 18 a 35 anos, podiam ser dispensados mediante o pagamento de 400 mil-réis, o que tornava o privilégio inacessível para pobres. O recrutamento tornou-se um verdadeiro negócio. Abusos e perseguições resultaram numa insurreição feminina chamada "Guerra das Mulheres". Elas invadiam igrejas, rasgavam editais e faziam passeatas.

OS SANTOS DO PAU OCO 
          Até a Igreja esteve envolvida no envio de ouro para a Europa no século 18, sem pagar os devidos tributos à Coroa portuguesa. Quem não queria pagar os impostos colocava ouro e pedras preciosas dentro de imagens religiosas ao passar pelas vistorias. O método, utilizado até por padres, gerou a expressão "santo do pau oco", para designar algo que não é o que parece.

SUBORNO EM ITAIPU
          Segundo a revista americana Times, numa edição de 1981, empresas européias deram 140 milhões de dólares em propinas e suborno para autoridades brasileiras, de modo a pegarem uma fatia da construção da Usina de Itaipu.

COMILÕES
          Em 1981, quando Eurico Resende governava o Estado do Espírito Santo, em apenas três meses as compras de carne para o Palácio atingiram 5,8 toneladas. Mas foram comprados também 850 frangos. Fazendo as contas, sua família teria comido 72 quilos de carne e nove frangos por dia. Mas o governo justificou: além das famílias, havia os servidores que comiam lá. Haja servidores...

O ESCÂNDALO DA MANDIOCA
          Na pequena cidade de Floresta, em Pernambuco, a agência do Banco do Brasil fazia empréstimos a pessoas influentes do Estado, supostamente para plantar mandioca. Mas elas nunca pagavam: alegavam que a seca destruíra os plantios - que nunca haviam sido feitos - e os prejuízos eram cobertos pelo seguro agrícola. Em 1981, quando se descobriu a mutreta, calculava-se que o valor total dos "empréstimos" chegara a 700 milhões de dólares. Pedro 
Jorge de Melo e Silva, procurador da República, encarregado de apurar o caso, foi morto no ano seguinte. Entre os acusados pelo assassinato, foi preso e condenado o major da Polícia Militar José Ferreira dos Anjos, que fugiu da cadeia e só foi recapturado em 1996. O processo de desvio de dinheiro nunca foi concluído.

QUEM DEVIA TOMAR CONTA...
          Recentemente, a Operação Curupira da Polícia Federal prendeu dezenas de pessoas de vários estados. Funcionários do Ibama, órgão de proteção ao meio ambiente, estavam fazendo justamente o contrário, colaborando com a extração ilegal de madeiras de lei. Entre os acusados estava o secretário estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso, o superintendente do Ibama no mesmo Estado e o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente. Os prejuízos causados pelas fraudes cometidas foi superior a 1 bilhão de reais.

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