quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Mundial de atletismo aponta falhas de Porto Alegre para a Copa de 2014

 

 

Corridas de táxi a preços abusivos, poucos intérpretes, informações incompletas e comerciantes que não falam inglês são algumas das reclamações dos participantes da competição 

No primeiro grande teste para a Copa do Mundo de 2014, Porto Alegre está deixando a desejar. Relatos de atletas, voluntários e coordenadores que participam da competição mostram falhas na preparação da cidade para competições de porte. 

O 20º Campeonato Mundial de Atletismo Master, que trouxe mais de 4 mil esportistas de 82 países à Capital, termina no próximo domingo com relatos que misturam boa vontade da população, treinamento de voluntários e episódios lamentáveis de malandragem.


Leia a entrevista do secretário estadual de Esporte e Lazer, Kalil Sehbe

Um caso ilustra como o despreparo não se restringe ao poder público ou aos organizadores: dois atletas japoneses relataram ter pago incríveis R$ 300 por uma corrida de táxi entre o local das provas, no bairro Menino Deus, e o shopping Praia de Belas, a 1,8 quilômetros. Deveria ter custado R$ 10, segundo o Sindicato dos Taxistas (Sintáxi).

– Eles não são taxistas, são oportunistas predadores. É uma covardia inominável com pessoas idosas. Pedimos para funcionários de hotéis orientarem visitantes sobre o preço médio das corridas na cidade. Se não tomarem providência, na Copa vai acontecer igual ou pior – afirmou o presidente do Sintáxi, Luiz Nozari.

A 232 dias para o início da Copa de futebol, não foram tomados cuidados suficientes para reduzir os transtornos de quem vem de fora. Há pouca informação visual sobre o evento na cidade, para alertar moradores, surpresos com a circulação inesperada de estrangeiros. Com pouca gente fluente em inglês em Porto Alegre, a necessidade de voluntários é maior, mas faltou ajuda. 

Fluente em inglês, a atleta de heptatlo alemã Tatjana Schilling, 43 anos, lamenta que as pessoas não falem inglês. Além do ruído na tentativa de comunicação, a esportista da Alemanha também se queixou da demora na divulgação dos resultados das provas no Cete e dos diplomas que, em vez de feitos no computador, são preenchidos a mão.

Problemas envolvendo a comunicação entre voluntários e estrangeiros não são exclusividade da competição disputada na capital gaúcha. O Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo aprendeu a lição com as dificuldades enfrentadas na Copa das Confederações.

– Talvez, por apenas 3% das pessoas virem de fora, não tínhamos tantos voluntários falando línguas. Vamos ter mais agora, porque já são 30% os ingressos para quem vem de fora. Estamos trabalhando para que isso seja corrigido _ reconhece o executivo-chefe do COL, Ricardo Trade.

Coordenador do curso de Marketing de Megaeventos Esportivos da ESPM, o professor Fernando Trein acredita que há tempo para corrigir erros até a Copa. Mas é preciso encarar os problemas com foco:

– Tem de pegar tudo aquilo que não deu certo, centralizar em uma pessoa ou um órgão, e analisar item por item de uma forma muito crítica. Se entender que faltou policiamento em determinado lugar, resolve. Tem de fazer essa análise para melhorar nossa nota na Copa do Mundo. Vamos ter um evento de dimensão maior e provavelmente as mesmas questões acontecendo. Tem de pegar relatos da imprensa, dos atletas, de comerciantes, da hotelaria e começar a pontuar um a um.

Responsável pelo evento, o secretário de Esportes e Lazer do Estado, Kalil Sehbe, limitou-se a minimizar os problemas:
– Temos 500 voluntários, e mais de 100 são bilíngues. Acho que está excelente. Não houve nenhuma falha.

Ele promete, porém, uma reunião de avaliação para depois do evento. Para a Copa, o Mundial de Atletismo mostrou que ainda há muito a aprender.
INFORMAÇÕES
Material de divulgação é incompleto


Embora existam folders em profusão com informações sobre a cidade e o Estado, nem sempre em edições bilíngue, algumas publicações pecam no essencial. Trazem belas fotos de pontos turísticos da Capital e do Interior do Rio Grande do Sul, mas não informam o endereço dos lugares e sequer os telefones de contato. É o caso desta publicação em português, inglês e espanhol distribuída para atletas no Cete. 

– Eles dizem que o povo é receptivo, mas não entende o que eles falam. Se sentem perdidos e sem informações, querem passear e conhecer lugares, mas não conseguem. Aqui dentro, por exemplo, só tem uma agência de turismo – revelou a voluntária e intérprete Andréia Maranhão, antes de posar para uma foto ao lado de um atleta indiano. 
 

TÁXIS
Uma corrida de R$ 300
A maior decepção, no entanto, ocorreu com os profissionais considerados embaixadores do turismo nas cidades: os taxistas. Voluntários que atuam como intérpretes no Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), um dos cinco locais de provas (os outros são a Sogipa, Esef/Ufrgs, Parque Marinha do Brasil e Parque Esportivo da Puc), ouviram depoimentos estarrecedores. 

Segundo o maratonista, intérprete e locutor oficial das provas no Cete, Luiz Cláudio Barreto, há casos de atletas que foram literalmente "assaltados" por alguns motoristas. 

– Esperei quatro japoneses que se deslocaram do Cete até o Praia de Belas Shopping. Quando desceram, me disseram, apavorados, que o motorista havia cobrado R$ 300 pela corrida (segundo o Sintáxi, a corrida deveria custar menos de R$ 10). 

Carioca e dono de um hostel no Rio de Janeiro, Luiz fala inglês, espanhol e um pouco de francês. Está há seis meses na Capital preparando-se para competições no Estado. Além de fazer a narração das provas, ele virou uma espécie de guia dos estrangeiros na cidade. 

– Grupos de americanos e ingleses me pedem informações sobre a cidade. Já levei gente em CTG, restaurante, Fundação Iberê Camargo, Mercado Público e até na Arena. Em nenhum desses lugares encontramos pessoas que soubessem falar inglês. 

Na Fundação, uma menina que estava visitando o museu com mãe ajudou os atletas.
Dono de um hostel (albergue) no Bairro Floresta, Carlos Augusto Silveira tem recebido uma série de reclamações de hóspedes em relação a taxistas, o que resultaria em cobranças indevidas. 

Entre os problemas relatados por gente de Rússia, Ucrânia, Noruega, Alemanha, Austrália e Chile, um é recorrente e difícil de entender: alguns taxistas não sabem onde fica a principal sede da competição.

– As pessoas ficam decepcionadas de pegar os táxis e, na maioria das vezes, eles darem voltas. Quando saem daqui, eu vou até o motorista e explico onde é. Mas muitas vezes o turista pega na rua. Uma camaronesa pagou R$ 70 para ir do Cete à Esef e ainda perdeu o horário de sua prova. Ela chegou ao hostel arrasada.
EPTC manda verificar taxímetro 
Indignado com a atitude de alguns taxistas, o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, determinou que os agentes de trânsito fluentes em inglês passassem a abordar os atletas para saber se não tinham sido lesados. Azuizinhos também falam com taxistas nos locais das provas e em outros pontos da cidade. Nenhum taxista foi punido – segundo Cappellari, por falta de denúncias concretas, com informações como número de prefixo e trajeto.

– Ouvi dizer que esses absurdos aconteceram, mas 99% das reclamações são inócuas porque não há formalização. Os passageiros não têm a cultura de pedir recibo. Assim, não temos como abrir um inquérito para cassar a permissão dos maus profissionais – disse Cappellari.

Ele fez o certo
Ao ouvir a história, contada por um voluntário, de que um taxista teria cobrado R$ 180 para levar atletas alemães da Esef, no Jardim Botânico, ao Cete, o taxista Volnei Oliveira, 63 anos, teve respondida uma curiosidade de vários dias.  
– Ah... então é por isso que os azuizinhos estão parando a gente para ver se o taxímetro está ligado – disse Oliveira, que cobrou R$ 18 de um grupo de belgas para fazer o mesmo trajeto. 

Ligar o taxímetro, porém, não é garantia de lisura no atendimento de visitantes. De acordo com voluntários, em vez de cobrar o valor em reais, alguns taxistas estariam exigindo pagamento pela cotação do dólar.
COMÉRCIO
Comerciante foi pego de surpresa


Uma queixa recorrente dos visitantes é que comerciantes, prestadores de serviços e moradores não sabem falar inglês. Essa dificuldade foi sentida principalmente em visita a pontos turísticos e em situações corriqueiras, como descobrir o cardápio no restaurante ou tentar comprar remédio na farmácia.

Dono do Bar do Alexandre, na esquina da Gonçalves Dias com a Saldanha Marinho, no Bairro Menino Deus, Alexandre Kohls, 39 anos, teve de montar uma estrutura mínima de atendimento da noite para o dia. Quando viu, além dos clientes rotineiros, o restaurante começou a receber grupos de chineses, alemães, russos, croatas, bósnios e atletas de outras nacionalidades.

Alexandre se vira no espanhol, mas para falar com a nova clientela pediu a ajuda para o amigo e arquiteto Hiran Assis, 56 anos, que fala inglês, e está quebrando o galho de garçom. O bar aumentou o número de cozinheiras e passou a servir almoço até às 17h, saltando de 150 para cerca de 400 pratos - número de refeições servidas no último sábado. O prato feito custa R$ 9.

– Não sabia do evento. Se tivessem me informado com antecedência, teria feito cardápios em línguas diferentes para prestar um melhor atendimento – disse o dono do restaurante, que fica ao lado do Cete.

Hiran diz que a única dificuldade é servir russos e eslovenos que não se expressam muito bem em inglês.
 
– Encontro uma certa dificuldade, mas as gente sempre se entende _ disse Hiran.
A reportagem consultou funcionários e donos de uma churrascaria, uma padaria e uma farmácia do Menino Deus para saber se tinham funcionários preparados para receber turistas. Dos três locais, somente a churrascaria tem duas pessoas matriculados em cursos de inglês.
VOLUNTÁRIOS
Número de voluntários é pequeno
 

No primeiro dia do evento, um grupo de motoristas dos ônibus que fazem o translado dos atletas dos hotéis para os locais de provas, e vice-versa, pediu demissão. Por não falarem inglês, os condutores não entendiam as perguntas feitas por atletas de delegações estrangeiras e teriam deixado de parar em algumas paradas previstas no roteiro oficial.

– Deu um problema nas rotas e alguns se demitiram – disseram os estudantes de turismo e voluntários Lucas Guimarães, 19 anos, e Daphne Cardoso, 17 anos, teria sido o descumprimento do roteiro previsto.

Após a confusão, intérpretes passaram a acompanhar os atletas no interior dos coletivos. Mesmo com esta determinação, a coordenadora da área de transportes da Central de Operações do Mundial, que preferiu não se identificar, afirma que o número é insuficiente. Segundo ela, deveria haver um intérprete em cada um dos 15 ônibus que fazem as cinco rotas, e pelo menos três em cada um dos cinco locais de provas, totalizando 30 voluntários.

– A gente não tinha voluntários nos ônibus. Agora, eles estão nos ônibus, mas não dentro de todos porque não temos número de voluntários suficientes. Temos de 12 a 14 só – disse a coordenadora.
SEGURANÇA
Casal de mexicanos escapou de assalto


No domingo, Francisca Ramirez, 56 anos, e Luiz Santillan, 68 anos, acompanhados por um gaúcho, caminhavam no Centro da Capital quando foram abordados por assaltantes. Eles foram atacados por dois homens no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, mas os ladrões não conseguiram levar nada.

– Estamos com medo, é muito perigoso. Já quero ir embora – desabafou Luiz, que veio participar da prova de 1,5 mil metr
os.

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