quarta-feira, 21 de maio de 2014

Robocop na Copa: o traje que os policiais usarão no Mundial

Para atuar em possíveis protestos durante os jogos, Brigada Militar receberá 300 exoesqueletos do governo federal.

Durante um treinamento em Brasília, uma barra de ferro foi lançada contra o peito de um policial militar. Fora o impacto, ele nada sofreu. A nulidade de traumas e lesões se justifica pela verdadeira armadura utilizada pelo oficial: um macacão produzido de um resistente material plástico que cobre desde o topo da cabeça até o dedão do pé. Criado para conter possíveis protestos violentos, o equipamento está sendo distribuído às 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Batizado tecnicamente de exoesqueleto, o material já ganhou um apelido pelos policiais — ao menos, no eixo Rio-São Paulo: Robocop.
Distribuídos pelo governo federal, por meio da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (Sesge), 300 kits devem chegar ao Rio Grande do Sul na próxima semana. O uso do material ficará restrito aoBatalhão de Operações Especiais (BOE) da Brigada Militar (BM). Veículos da imprensa internacional rotularam o equipamento de "intimidante" e, até mesmo, de "aterrorizante". Porém, a BM classifica o item como uma proteção adequada aos policiais, que, durante as manifestações do ano passado, enfrentaram confrontos utilizando apenas caneleiras, colete à prova de balas e capacete.
 
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, exoesqueleto que será utilizado durante possíveis protestos na Copa foi apelidado de Robocop (à direita, no filme do diretor José Padilha)Foto: Montagem sobre as fotos da Polícia Militar de São Paulo (divulgação) e da Sony/MGM (divulgação)
— Quando recebermos esse material, iremos avaliar a melhor maneira de empregá-los em situações de distúrbios. Será a primeira vez que a Brigada Militar terá esses equipamentos, resistentes e apropriados para a proteção do policial militar em alguma situação de confronto e desordem. Nossa preocupação sempre é garantir a integridade física de todos envolvidos nessas manifestações, então, quanto mais equipamentos e tecnologias possuirmos, melhor será a atuação da polícia — disse o subcomandante do BOE, major Alexandre Pinheiro.
Além das cidades-sede, Aracaju, Maceió e Vitória (que serão centros de treinamento) também receberão o material. O kit completo — pelo qual a Sesge teve de desembolsar, ao todo, R$ 31 milhões — é composto por capacete balístico, máscara antigás, balaclava, luvas táticas e o traje integrado do exoesqueleto (com joelheira, caneleira, colete, ombreiras e proteção para os braços). Na mesma licitação, o governo federal ainda adquiriu escudos balísticos e extintores portáteis em mochilas.
Após a comparação estabelecida entre a máscara de gás que será usada pelas polícias durante a Copa e o personagem de Star Wars Darth Vader, a Brigada Militar evita alcunhar o novo equipamento. Porém, as semelhanças do material com o ciborgue de Detroit já fizeram que até mesmo as empresas fabricantes apelidassem o exoesqueleto de Rocobop.
— Tentamos não vincular esse tipo de coisa. Não queremos desumanizar a polícia, já que por trás desses equipamentos está um homem. Essa glamourização do equipamento é coisa mais de leigos, e da qual procuramos nos afastar. É um equipamento de proteção individual — explicou o major Cláudio Seoli, especialista em controle de distúrbios e responsável pelos treinamentos para a Copa.
Além dos itens fornecidos pelo governo federal, a BM ainda adquiriu cerca de mil kits extras feitos de material semelhante que também serão usados pelas operações especiais em manifestações. Os equipamentos se diferem pela estrutura, já que são modulares e não protegem o tórax. Na mineira Incoseg, empresa especializada em roupas anti-tumulto e uma das produtoras do material, o corre-corre dos órgãos estaduais de segurança a 22 dias do Mundial é grande.
— Desde as manifestações do ano passado, as encomendas aumentaram muito pouco. Isso até nos surpreendeu, mas parece é que houve falta de planejamento e organização. Nessas últimas semanas, as polícias estão atrás dos equipamentos de última hora. Não conseguiremos atender a todos, mas, ainda durante a Copa, deveremos estar entregando materiais. Eles estão esperando guerra mesmo — acredita o diretor da Incoseg, Leonardo Wakil Caetano Bento.
Porto Alegre e as demais cidades contempladas pela Sesge também devem receber um caminhão blindado com jato d'água para ser usado na dispersão de manifestantes.
— É algo que, se não tivéssemos a Copa, não receberíamos — acredita Seoli.
Depois do Mundial, as novas estruturas ficarão como herança ao Estado. Outro legado da Copa, o curso de condutas para grandes manifestações ministrado pela Brigada Militar se aproxima da conclusão da segunda turma. Além dos gaúchos, policiais de outros municípios que terão jogos do Mundial, do Maranhão e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) também participaram do treinamento.
À la Robocop: prevenção ou excesso?
Após a repressão policial considerada violenta e abusiva durante alguns protestos que marcaram 2013 no país, a farda à la super-herói suscita o debate: seria esse um item reprimidor ou um material necessário à proteção policial em possíveis confrontos? O delegado da Divisão de Ensino da Academia de Polícia Civil e professor de Direito Penal da Unisinos, Fábio Motta Lopes, aponta que itens de proteção individual são recomendados, inclusive, pela Organização das Nações Unidas (ONU):
— Apesar de o material poder causar certo impacto visual, funcionalmente ele é interessante. De fato, ele protege o policial, não é pesado e não dificulta a mobilidade. Claro que não é um equipamento para ser usado no policiamento de rotina, mas sim em eventuais controles de distúrbios. Até porque, se formos fazer um estudo de recomendações internacionais, é recomendado que os policiais que acompanham essas operações especiais tenham proteção individual.
Lopes acredita, ainda, que o Robocop pode funcionar até mesmo como um inibidor de tumultos e prever confrontos, uma vez que, protegido, o próprio policial deve evitar reações desproporcionais. O subcomandante do BOE defende:
— Não se coloca mais em risco os manifestantes, até porque é um material com tecnologia menos letal — diz Pinheiro.
Conforme o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, esses equipamentos são necessários estritamente para as unidades de choque que, eventualmente, possam entrar em confronto direito com manifestantes:
— Para um mero acompanhamento, o policial deve usar material de proteção média, com capacete e colete à prova de balas se preciso, mas sem a necessidade desse aparato visivelmente mais agressivo. O emprego da tropa de choque, assim como desse tipo de instrumento, deve ser usado em eventos mais extremados, quando se tem a expectativa que que alguns manifestantes estejam mais exaltados, depredando patrimônios públicos e jogando coquetéis molotov. O que se recomenda é que não se precipite esse tipo de vestimenta e todo o restante do equipamento como uma forma de intimidação, mas como uma maneira de intervenção na medida que estejam acontecendo ou prestes a acontecer depredações e ameaças.
Segundo o ex-secretário, equipamentos como o Robocop não tornam o policial mais agressivo — servem para protegê-lo de reações mais agressiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário