Janine Souza
Do TJ-RS
Do TJ-RS
Sem condições de receber um efetivo que só cresce e longe de cumprir
as premissas de ressocialização, o sistema prisional gaúcho é um
organismo que chega à beira do colapso. Com mais de 34 mil presos, a
cada mês, são mais 500 detentos que ingressam nas prisões do Rio Grande
do Sul. Um aumento real em um cenário onde a falta de vagas em presídios
faz com que as celas das Delegacias de Polícia da Capital e Região
Metropolitana extrapolem a sua capacidade de receber provisoriamente os
detentos.
Com a interdição do Presídio Central, cuja população carcerária chega
a 4,7 mil – uma das médias mais altas dos últimos anos – esses presos
estão sendo enviados para cadeias no Interior do Estado. Como resultado,
o crime começa a se fortalecer em cidades de pequeno e médio porte. A
falta de condições estruturais e de pessoal do Estado repercute também
na não apresentação de presos em audiências judiciais, que, nas últimas
semanas, chegou a 70%.
O juiz Sidinei José Brzuska, titular da 2ª Vara de Execuções
Criminais da Capital, vem alertando para a ineficácia e a iminente
falência do sistema. A saída, sugere o magistrado, é investir em uma
política de desencarceramento urgente.
“O Brasil, nos últimos cinco anos, aumentou em 33% a taxa de
encarceramento. Nós estamos cada vez mais jogando gente para um sistema
que não funciona e estamos gastando dinheiro com isso”, avalia. A
realidade do Rio Grande do Sul, adverte, é de absoluta emergência.
“Sequer audiências conseguimos fazer. Daqui a pouco, não vamos conseguir
julgar. E não faltará gente para acusar o Poder Judiciário de culpa
disso, por estar soltando gente porque não está conseguindo fazer
audiências”.
Presídio Central
O Presídio Central, que já foi considerado o pior do país, está no
cerne da problemática. Atualmente, abriga 4,7 mil detentos em local
insalubre e com poucas condições de recuperação social. A casa chegou a
ter 5,3 mil encarcerados, mas, na época, havia um pavilhão a mais.
Com a falta de assistência aos presos, por parte do Estado, a
manutenção da casa fica por conta das famílias e das facções criminosas.
“Tem água, luz e as paredes. O Estado fornece uma alimentação consumida
apenas pelos presos mais obres. Os familiares levam dinheiro. Cada
família pode levar R$ 120 reais por semana e esse dinheiro gera um
comércio de comida, de material de higiene e, naturalmente, de venda de
telefones, de armas e de drogas”, explica o magistrado.
Em cinco anos, foram apreendidas dentro do PC 58 armas industriais,
quase 10 mil telefones celulares e mais de 120 quilos de drogas. “Se
somar tudo, isso torna o quarteirão do Presídio Central o maior ponto de
comércio e venda de drogas do Rio Grande do Sul”, afirma Brzuska. As apreensões mais recentes são basicamente telefones com acesso a Internet, os smartphones. Cerca de 73% dos aparelhos apreendidos neste ano já estavam nas mãos dos presos.
Comércio
De cada cinco visitantes que ingressam no Presídio Central, quatro
entram com sacolas, levando alimentos e materiais de higiene. Os
visitantes são basicamente mulheres. De acordo com o Juiz da VEC, o
preso que recebe sacola tem uma chance maior de voltar para a sociedade e
não reincidir. “Para o preso que não recebe sacola, a reincidência é de
100%. Porque ele vive de favor na prisão. Esses bens indispensáveis
para a sua sobrevivência, ele acaba tendo que receber da facção que
coordena aquele lugar. Ele vai pagar isso em serviços, normalmente, isso
significa a prática de um novo crime”.
Aumento da população carcerária
O número de apenados que ingressam e permanecem no Presídio Central
disparou do ano passado para cá. Conforme o magistrado, o efetivo
prisional tem aumentado em mais de 500 presos por mês. “Isso significa
que o Estado teria que construir uma penitenciária por mês, a um custo
de R$ 30 milhões, e nomear 100 agentes novos por mês”, exemplifica
Brzuska. Hoje, o Estado tem levado em torno de 4 anos para efetuar a
construção de uma casa prisional.
Com isso, a urgência de políticas de prevenção é iminente, ressalta:
“Não estamos protegendo a vítima, ela já foi atacada. Estamos apenas
reagindo de forma emergencial, não planejada e não concatenada”.
Isso porque com a falta de vagas nas cadeias da Capital e da Região
Metropolitana e a impossibilidade de manter os detentos nas Delegacias
de Polícia, os homens acabam sendo enviados para o Interior do Estado. E
a chance de retornarem é pequena, afirma o Juiz.
“O Estado tem que agir rapidamente. Não podemos manter essa
emergência por muito tempo senão, em médio prazo, fixaremos a expertise
das facções criminosas no Interior”, adverte. “Hoje, os presídios de
Porto Alegre e Região Metropolitana geram renda para o crime. No
Interior, isso ainda não acontece. Mas, em pelo menos dois ou três anos,
o controle do crime no Interior vai estar nas mãos das facções. Isso,
sim, potencializará muito a criminalidade”.
Delegacias lotadas e audiências não realizadas
A permanência dos presos em Delegacias de Polícia é outra consequência do efeito cascata da crise no sistema prisional gaúcho.
Em contrapartida, o magistrado relata que as 2,4 mil vagas ociosas em
três unidades prisionais da Penitenciária Estadual de Canoas podem
ajudar a amenizar o problema, mas alerta: “Se o Estado replicar ali o
que faz no Central, ele vai privatizar o local. Ou seja, abrir a porta,
jogar preso para dentro e deixar as facções administrarem o presídio.
Uma vaga custa quase R$ 60 mil. É caro para tirar do bolso e entregar
para facção”.
Sidinei Brzuska rebate as críticas ao Poder Judiciário que, muitas
vezes, determina a soltura dos detentos. “Esse prende e solta é uma
falácia. Se fosse verdade, o Brasil não teria aumentado a sua população
carcerária em 600% em 10 anos. Isso vem sendo repetido e não tem
sustentação em números. O Juiz não está soltando preso por prazer. As
pessoas permanecem presas o tempo que devem permanecer presas. O Estado
brasileiro, sobretudo aqui no RS, não se planeja. Não procura atacar o
crime, atacar aqueles pontos que, ali na frente, irão gerar um delito.
Ele espera esse crime acontecer. E aí ele vai atrás de quem praticou e
joga na cadeia”.
A não apresentação de presos em audiências judiciais chegou a 70% e
existe a possibilidade de atingir a totalidade. Sem condições
estruturais (veículo, combustível e pessoal), a SUSEPE tem dificuldades
para efetuar o transporte até os Foros.
“A SUSEPE não tem culpa dessa situação. Ela não tem autonomia nem
orçamento para isso. Tem que cobrar de quem deixa a SUSEPE nessa
situação. O problema prisional é assunto da alçada do Governador do
Estado”.
Política de desencarceramento
O Juiz Sidinei Brzuska considera que a saída não está na construção
de mais presídios, mas na formulação de uma política que reduza os
índices de criminalidade. “Precisamos começar a discutir projetos e
planos para a diminuição da população carcerária”, ressalta.
Na avaliação do magistrado da VEC da Capital, resolver a problemática
implica em medidas de médio e longo prazo, mas que passam,
necessariamente, em atacar questões desencadeadoras da criminalidade,
como o desemprego e a baixa escolaridade. “A maioria dos presos são
homens que abandonaram a escola no Ensino Fundamental. Somente em Porto
Alegre, nos últimos dois anos, 32 mil pessoas abandonaram a escola no
Ensino Fundamental. Cada ano que o jovem permanece no colégio, a partir
da 6ª série, diminui em 10% a chance dele se tornar um criminoso. Uma
política de desencarceramento primária pensaria em como fazer com que o
jovem fique no colégio até os 18 anos”, cita ele.
“Outro exemplo: Praticamente 90% das pessoas presas em flagrante
estão desempregadas. Atacando esses problemas, em 20 anos, reduziremos a
população carcerária em um terço. A partir daí, para os que
permanecerem, deverá ser trabalhada a ressocialização. Hoje não temos
nada disso. Estamos reagindo ao crime depois que ele aconteceu”, defende
o magistrado. “Não é preciso mexer em lei penal. Temos que fazer um
plano. O sistema, como está, não funciona: tem altíssimos índices de
reincidência, custa caro, não protege a vítima e dá lucro para os
bandidos”, assevera.
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